Há exatos 101 anos, em 25 de Março, numa casa em Niterói se reuniriam Manuel Cendon, Joaquim Barbosa, Astrojildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luís Peres, José Elias da Silva, Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro. Esses nove trabalhadores, que nesse momento não entendiam muito da teoria marxista em si, foram responsáveis por fundar o Partido Comunista do Brasil, mas precisamos entender um pouco do contexto histórico do movimento operário no Brasília a essa altura. Em 1917 dois eventos marcariam eternamente a história e impactariam diretamente na organização do movimento comunista no Brasil, primeiro, a greve geral em São Paulo, que contou com forte mobilização do movimento operário e uma forte organização do movimento anarquista e um pouco do futuro movimento comunista. Ao mesmo tempo, do outro lado do mundo, os bolcheviques lideravam na Rússia a revolução de 1917, a qual culminou no estabelecimento de um estado socialista.
Com o estabelecimento do novo governo Russo, foi
fundada em 1919 a III Internacional Comunista, em um momento em que o movimento
operário no Brasil era dominado quase totalmente pelo anarquismo, e nesse
momento dois grupos de orientação comunista começaram a surgir. O primeiro são
os movimentos impulsionados pelo socialismo russo, dentre eles a União Operária
Primeira de Maio em 1917, em Cruzeiro - SP. Em Recife surgiu o Círculo de
Estudos Marxistas, no Rio Grande do Sul o Grupo Comunista de Porto Alegre entre
outros grupos regionais.[1] Esses movimentos atuavam
inicialmente mais como grupo de estudos do que como movimento político. O outro
grupo foi o Partido Comunista Brasileiro, de 1919, que, apesar do nome ainda
mantinha muitos vícios anarquistas e mais estava para uma organização Anarquista
do que de fato Comunista.[2]
Mas foi em 1922 que diversos grupos regionais como
os citados no parágrafo anterior, se uniram para a fundação do Partido
Comunista-Sessão Brasileira da Internacional Comunista, o que seria mais tarde
chamado de Partido Comunista do Brasil. E foi na revista “O Movimento
Comunista” que surgiu a chamada para o Congresso de Fundação do Partido
Comunista do Brasil:
“Em meados de
fevereiro, por iniciativa dos camaradas do Grupo de Porto Alegre, o Grupo do
Rio entendeu-se com os demais grupos existentes sobre a necessidade de se
apressar a reunião, em congresso, dos delegados dos mesmos, para definitiva
organização do Partido em vista da aproximação do IV Congresso da Internacional
de Moscou, no qual deveriam fazer-se representar os comunistas do Brasil.” [3]
Após esse congresso, ficou delegado
o camarada Antonio Bernardo Canellas para o IV Congresso da Internacional
Comunista, entretanto, ao participar do congresso, Canellas atestou
incompatibilidades do PCB com a ideologia da Komintern.[4]
A partir daí começaram os embates
entre a Internacional Comunista e o Partido Comunista Brasileiro, que deixara a
essa altura de ser reconhecido como membro da IC, se tornando apenas um
simpatizante. Essa atitude foi promovida pela comissão encarregada de avaliar
os partidos sul-americanos, essa composta por Gramsci e Eugênio Varga, que
negou a participação do PCB no movimento por não ser “ainda um verdadeiro
Partido Comunista.”, por conservar “restos da ideologia burguesa”.[5]
Esse processo iniciou um processo de
“bolchevização” do PCB. Em 1930 o secretariado sul-americano da IC realizou sua
conferencia, a qual acusou Astrojildo Pereira e Octavio Brandão de
“mencheviques, reformistas, oportunistas de direita e etc.”. O partido antes disso se organizava para
assumir a revolução de 30, movimento que foi frustrado e Astrojildo e Brandão
foram afastados do partido e enviados para reabilitação.[6]
Astrojildo, que foi preso, já idoso,
no golpe militar de 1964, morreu em 1965 convencido que “O partido acerta, até
quando erra, pois é melhor acertar coletivamente do que errar
individualmente.”. A ruptura de 1930 foi a primeira de muitas do partidão.
Os rachas do partido geram debates
que perduram até os tempos atuais. Cito o racha de 1962, quando, para se
encaixar nos padrões da legalização partidária da democracia burguesa, o PCB
oficializou a tentativa de registro sob alcunha de “Partido Comunista
Brasileiro” e retirou todas as menções legais ao Marxismo-Leninismo de sues
documentos. O que gerou um racha entre seus quadros, já que o nome histórico
“Partido Comunista do Brasil” e os documentos históricos do partido foram
deixados de lado. Assim, surgiu o PCdoB, liderados por João Amazonas, Maurício
Grabois e Pedro Pomar, que buscavam combater a faceta reformista do PCB, o
Kruschevismo, abraçando, na época ao Maoismo e aprofundando a tensão
sino-soviética no movimento comunista internacional.[7]
O período pós redemocratização foi
turbulento para o PCB, enquanto o PCdoB já passava a desfrutar de certa
estabilidade interna. Destaco aqui o racha do X Congresso, no qual após o PCB
lançar nas eleições de 89 Roberto Freire a Presidência da República, muitos
quadros, liderados pelo próprio Roberto, sentiram que o comunismo já não
respondia as expectativas trazidas pela classe operária brasileira e defenderam
uma reformulação no nome de PCB para “Partido Popular Socialista” e a mudança
para a defesa de um socialismo democrático. O PPS conseguiu com o TSE manter o
patrimônio, registro e numero eleitoral do PCB, enquanto a ala dissidente
fundou a atual legenda do PCB. O PPS em 2019 passou por outra reformulação,
dessa vez abandonando o nome Partido Popular Socialista para aderir ao nome
“Cidadania”, as ideologias do partido saíram do Socialismo Democrático para o
Social Liberalismo.
Voltando no período anterior, além
de perder grandes quadros como Carlos Marighella, por sua postura “engessada”
durante o regime militar, o partido ainda em 1980 sofreu uma perda irreparável:
a de Luis Carlos Prestes, militante histórico do partido, revolucionário
tenentista e comunista histórico. Prestes publicou sua “badalada” “Carta aos
Comunistas”, que denunciou posições reformistas e contrarrevolucionárias do
partido na época.[8]
Naturalmente, os “prestistas”, assim
denominados os apoiadores de Luis Carlos Prestes procurariam por uma
alternativa realmente revolucionária, e assim, grande parte dos mesmos migram
ao PDT, e Prestes se alia a Leonel Brizola. Assim afirma Izabel Cristina Gomes
da Costa:
As ligações
históricas entre Prestes e Brizola também influenciaram a aproximação entre
trabalhistas e comunistas. O PCB, nos anos sessenta, caminhou junto com o
gaúcho na Frente de Mobilização Nacional. Avaliado nos anos oitenta como uma
das lideranças mais aguerrida do pré-64, as suas ações políticas angariavam as
simpatias de muitos militantes das esquerdas brasileiras. Durante o ano de
1982, Luiz Carlos Prestes enviou vários sinais que indicavam o seu apoio ao
PDT. Leonel Brizola não refutava as mensagens, e retornava com declarações de
simpatia, afirmando que o mesmo expressava uma “esquerda autêntica”. O
trabalhista, conhecido por suas posições anticomunistas, também readequava o
discurso: “seria uma atitude inconsequente quando nós próprios sofremos, em
1964, os efeitos desse tipo de campanha”.[9]
Se o legado de um partido é definido
por sua fidelidade ideológica, é correto afirmar que no momento desse
acontecimento o PCB de 1922 estava no PDT. Veja, não afirmo em momento algum
que era o PDT, e sim que ele estava internamente ao PDT. Isso também ocorreu
pois Brizola não hesitou ao nomear Prestes como presidente de honra do PDT.
“O presidente
do PDT, Leonel Brizola, chama Luiz Carlos Prestes para a mesa. (...) Então, de
forma brincalhona, pega uma ficha de filiação do PDT, (...) dizendo – “temos a
honra ...”, “... o senador Luiz Carlos Prestes não assinaria a ficha? ...”, –
mas sabendo que o Prestes nunca assinaria. Então, em tom de brincadeira, ele
falou – “o senador não precisa assinar ficha, não”. (...) Mas esse congresso
tem que decidir, vamos decidir por aclamação: o senador Luiz Carlos Prestes é o
presidente de honra do PDT”. E o plenário vai abaixo, todo mundo de pé,
gritando o nome do Prestes (...). O Prestes nunca assinou nenhuma ficha do
Partido Democrático Trabalhista, nunca assinou a ficha de filiação de nenhum
partido a não ser do Partido Comunista Brasileiro. Então o Prestes discursa,
agradece. E o Prestes morre em 7 de março de 1990 nesta condição, de presidente
de honra do PDT”[10]
E com esse belo relato eu me permito
a retornar a 2023, na etapa atual dessa trajetória honrosa, revolucionária e
com suas contradições, para afirmar que nós, Marxistas, herdeiros do legado de
1922, não devemos nos preocupar se o partidão hoje é o PCB, PCdoB, Cidadania ou
qualquer outra força. Hoje nossa maior preocupação deve ser refundar o Partido
Comunista Brasileiro, não institucionalmente com uma legenda, um número,
estatuto e programa, mas sim como uma aglutinação das forças revolucionárias
brasileiras, em prol de uma revolução que derrubará a democracia burguesa para
instaurar uma força revolucionária e a democracia socialista no Brasil.
Que o legado partidário do PCB de
1922, que hoje pode estar no PDT, PCB, PCdoB, ou quem sabe, mas acredito que
não, no Cidadania, se preserve por mais centenas de anos. E que nós,
comunistas, no momento em que a classe operária se levantar, não nos deixemos
separar por conta de uma legenda registrada em um sistema eleitoral burguês.
Viva a refundação do Partido
Comunista do Brasil!
[1] SEGATTO,
José Antonio (ed.). Testemunho Histórico-Político. In: PEREIRA,
Astrojildo. Formação do PCB. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2022. p.
21-23.
[2] PEREIRA,
Astrojildo. Formação do PCB. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2022. p.
59,60.
[3] MOVIMENTO COMUNISTA., 7, junho de 1922. In: PEREIRA. Op.Cit. p. 65
[4] SEGATTO (2022), p.23-24
[5] SEGATTO(2022), p.25
[6] SEGATTO (2022), p.27
[7] SAGRILLO
FIGUEIREDO, César Alessandro. A invenção da memória: A disputa pelo legado do
comunismo no Brasil entre o PCB e o PCdoB. Mouseion, Canoas, ed.
35, 04 2020. Disponível em:
https://revistas.unilasalle.edu.br/index.php/Mouseion/article/download/6190/pdf.
Acesso em: 14 mar. 2023.
[8] PRESTES, Luiz Carlos. Carta aos
comunistas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980.
[9] GOMES DA
COSTA, Izabel Cristina. Uma rede prestista: Os diversos fios dos
"filhos" da Carta aos Comunistas no PDT. Perseu:
História, Memória e Política, [s. l.], ano Ano 7, n. 9, p. 8, 07 2013.
[10] GOMES
DA COSTA, 2013, p. 10
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